Texto: Sobre Cebolas e Escolas
De: Rubem Alves
As cebolas ocupam um lugar destacado no
meu pensamento. Penso-as, em primeiro lugar, de maneira científica: cebola,
bolbo da planta Allium Cepa, que ocupa um lugar definido na árvore
das classificações botânicas. Penso-as, a seguir, de forma culinária: entidades
acidentalmente lacrimógenas, de tamanhos variados, cheiro característico e
gosto saboroso, que se prestam a ser usadas em molhos, saladas, conservas e
sopas. Penso-as, em terceiro lugar, como metáforas poéticas e descrevo-as, com
Neruda, como "rosas de água com as suas escamas de cristal". O quarto
uso, acho que é só meu: a cebola faz-me pensar filosófica e pedagogicamente.
A cebola filosófica me apareceu ao terminar a leitura do livro de Piaget, Biologia e Conhecimento. Nesse livro ele sugere que a aprendizagem não é apenas um processo lógico: é um processo vital. O organismo aprende para poder "comer" o seu meio ambiente. O que não é vital não é aprendido. Aprender é fazer o corpo crescer por expansões sucessivas. Aí, vapt-vupt, apareceu-me uma cebola cortada horizontalmente. Basta olhar para compreender como a cebola aconteceu: tudo começou num círculo interno mínimo. Em torno dele as outras camadas foram crescendo. Sem saltos. A camada número 3 só aparece depois das camadas 1 e 2. Na cebola não há buracos.
A cebola filosófica me apareceu ao terminar a leitura do livro de Piaget, Biologia e Conhecimento. Nesse livro ele sugere que a aprendizagem não é apenas um processo lógico: é um processo vital. O organismo aprende para poder "comer" o seu meio ambiente. O que não é vital não é aprendido. Aprender é fazer o corpo crescer por expansões sucessivas. Aí, vapt-vupt, apareceu-me uma cebola cortada horizontalmente. Basta olhar para compreender como a cebola aconteceu: tudo começou num círculo interno mínimo. Em torno dele as outras camadas foram crescendo. Sem saltos. A camada número 3 só aparece depois das camadas 1 e 2. Na cebola não há buracos.
Cebola, metáfora da aprendizagem. Aquele
círculo mínimo central é o corpo do aluno. O corpo, a que Nietzche dava o nome
de grande razão, procura aprender o mundo que o cerca, a fim de o poder
apreendê-lo: o meio ambiente deve se tornar comida. Para que o corpo viva. O
que não vira comida, o que não é vital para o corpo, não é aprendido.
Ela era professora universitária.
Passara direitinho pela escola, ensinaram-lhe física elétrica, watts, volts,
ohms, circuitos e motores. Tudo no papel. É preciso para passar no vestibular.
Não estava mais na sala de aula, onde se fala. Estava na sala de sua casa, onde
acontece. As lâmpadas se apagaram. Sentiu-se perdida. A escola não lhe ensinara
o que fazer na sua casa. Lembrou-se que o pai, quando as lâmpadas se apagavam,
trocava um fusível. Apelou para o filho de oito anos: "onde estão os
fusíveis?" O menino respondeu: "Não tem fusível não, mãe. É
disjuntor". A mãe não sabia o que era disjuntor. Perguntou se fora na
escola que aprendera aquilo. O menino disse que na escola não se ensinavam
essas coisas da casa. Aprendera com o pai. Aí o menino foi até a caixa de
disjuntores, viu que tinha caído, ligou-o de novo e a luz voltou.
A escola ensinara a mãe a resolver
problemas da camada número 10 da cebola, mas não ensinara a resolver os
problemas da camada número 2. Confessou-me depois, meio encabulada, que também
não sabia consertar tomadas e interruptores. E nem sabia manusear martelos e
chaves de fenda.
Nossas escolas todas louvam Piaget. Mas
não prestam atenção. Esquecem-se de que as categorias lógicas só têm sentido
como ferramentas para se compreender o meio ambiente em que se vive.
Tive, então, a idéia de organizar um currículo todo ele baseado no meio ambiente onde a criança vive: a casa. A casa é um maravilhoso lugar de curiosidades. Para quem tem olhos, tudo é divertido. A primeira missão de um professor: ensinar a ver. Na casa, lugar mínimo, começa o mundo.
Tive, então, a idéia de organizar um currículo todo ele baseado no meio ambiente onde a criança vive: a casa. A casa é um maravilhoso lugar de curiosidades. Para quem tem olhos, tudo é divertido. A primeira missão de um professor: ensinar a ver. Na casa, lugar mínimo, começa o mundo.
Física. A física dos materiais. É com
materiais que se constroem as coisas que se constrói o mundo. Madeira,
cerâmica, vidro, metal, plástico, tecido, porcelana, papel. Está tudo em casa.
Os vários tipos de madeira. Não se esqueça do bambu do qual o grande
especialista é o agrônomo Antonio Salgado. Há lindo livros-arte sobre os
bambus. Os segredos das madeiras: desenhos, cores, fibras, cheiros, resinas,
gostos: um universo de encantamento. O que se pode fazer com a madeira. Os
instrumentos para se trabalhar a madeira: serrotes, martelos, formões, puas, pregos,
parafusos. A experiência prática de serrar, pregar, lixar. Se eu colocar a
cabeça de um martelo sobre um prego e perguntar a qualquer criança de cinco
anos: "Isso vai pregar o prego?" _ ela, sem nenhuma informação
científica preliminar, responderá: "É preciso bater". Ao dizer isso,
enunciou sem saber, a fórmula física "força=massa . aceleração". E aí
ela perguntaria: "Mas porque você não usa um cabo?" A cabeça da
criança já sabe fazer as perguntas das quais nasce a ciência. O pensamento
segue as experiências das mãos. Pensa, compara, conclui. Não é preciso comprar
joguinhos para ensinar as crianças.
O que sugeri para a madeira pode ser
aplicado a todos os outros materiais. Em cada material habita um mundo inteiro
de segredos da matéria e de técnicas de artesanato. Os tecidos, os teares. As
agulhas e as costuras (coisa utilíssima: aprender a pregar botões!). Meus
professores tentaram me ensinar física ótica sem nunca me ensinar que espelhos,
lentes, caleidoscópios, lunetas e periscópios são brinquedos divertidos.
Aprendi isso construindo meus próprios brinquedos, na minha casa. Giambatista
Vico (1668-1744) disse que nós só podemos compreender aquilo que nós mesmos
construímos. (E ainda há gente que pensa que construtivismo é coisa nova!) .
Sugiro que os pais, em vez de darem de presente para seus filhos video
games idiotas
e carros movidos a pilha comecem, com eles, a montar uma oficina polivalente.
Química. Se eu fosse ensinar química
para crianças, eu começaria pela cozinha. Idéia antiga. Fiquei sabendo, depois,
que um professor francês publicou um livro inteiro sobre o assunto. Começaria
pelo fogo. Haverá coisa mais fascinante? Ver o fogo. Saber do seu poder.
Prometeu, que roubou o fogo dos deuses. A sua história. A imaginação se acende,
como fogo: vamos para a pré-história. O filme A guerra do fogo. A
cozinha foi o primeiro laboratório de química. O fogo e as transformações. Uma
química que se aprende com a Babette é inesquecível. É gostosa.
Mas tudo está misturado. A química cruza com a física: na cozinha a água ferve, há os gelos, há de saber sobre temperaturas. A tampa do vidro está dura: basta aquecê-la, ao fogo. A água é o único elemento que se expande, quando esfriado. Flutua, nos rios. Se isso não acontecesse, os peixes morreriam... Os livros de receita. Lindos. Por eles se viaja pelo mundo, geografia: a culinária da Itália, da França, do Japão, da China,
Mas tudo está misturado. A química cruza com a física: na cozinha a água ferve, há os gelos, há de saber sobre temperaturas. A tampa do vidro está dura: basta aquecê-la, ao fogo. A água é o único elemento que se expande, quando esfriado. Flutua, nos rios. Se isso não acontecesse, os peixes morreriam... Os livros de receita. Lindos. Por eles se viaja pelo mundo, geografia: a culinária da Itália, da França, do Japão, da China,
História. _ "Papai, conta como eram
os brinquedos no seu tempo de menino!"
Matemática. Está em tudo: no número de ovos da receita, nas compras de feira, no comprimento das madeiras, nos ângulos para o corte, na geometria das formas, no fio do prumo das paredes, no nível (é divertido aprender a tirar o nível com água e um tubo de plástico transparente, nem precisa falar em vasos comunicantes).
E, sobretudo, a aprendizagem do próprio corpo. Os sentidos. Os prazeres. A arte de ver, de ouvir, de cheirar, de degustar, a arte de tocar. As dores: a topada, o corte, a queimadura, a farpa de madeira, a dor de barriga... Os jeitos de curar o corpo. O médico-mor: o sabão...
Matemática. Está em tudo: no número de ovos da receita, nas compras de feira, no comprimento das madeiras, nos ângulos para o corte, na geometria das formas, no fio do prumo das paredes, no nível (é divertido aprender a tirar o nível com água e um tubo de plástico transparente, nem precisa falar em vasos comunicantes).
E, sobretudo, a aprendizagem do próprio corpo. Os sentidos. Os prazeres. A arte de ver, de ouvir, de cheirar, de degustar, a arte de tocar. As dores: a topada, o corte, a queimadura, a farpa de madeira, a dor de barriga... Os jeitos de curar o corpo. O médico-mor: o sabão...
Confesso que eu gostaria de ser
professor numa escola assim _ talvez eu até gostasse de ser aluno.
Esse texto é muito reflexivo.
ResponderExcluirE verdade. Passei muitas vezes de minha vida nestas situacoes. E hoje pouco se passa para nossos alunos e filhos. Mas como prof. Tenho tentado transmitir e faço alguma coisa de concreto com eles..Estes dias trabalhei a reciclagem com 6 ano. Pedi para todos que fizessem algo com utilidade reciclado. Apareceu coisas criativas. Foi legal. E responderam 5 perguntas. Acredito que nao vao mais esquecer.
ResponderExcluirEste texto nós relata uma Construção de aprendizados dia após dias,e nós faz refletir dentro das nossas Vivências é experiências Onde O brincar passa ser encinar.
Excluir